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Capítulo Bônus - Paradoxem

NOTA DA AUTORA



Esse capítulo não é sobre Jonathan e Evelina – é sobre Nate e Evie.

Não, não vou pagar a terapia de ninguém (mal tô pagando a minha, galera).

Ele se passa um mês após o verdadeiro Banho de Sangue do Beco, o da linha premeditada original de eventos, sem bioandroides, versões do futuro ou Savór interferindo. Nele Evie se uniu ativamente à Insurreição após se revoltar com o massacre, e Nate acaba descobrindo a respeito de modo bem inconveniente. Nessa versão ela ainda não sabe que seu Capitão de Araque também é um simpatizante rebelde e ele também não contou a ninguém.


Aviso de cenas gráficas (aproveitem).






Ele jogou uma uva nela.

Evelina encarou a fruta minúscula com um fuzilar que poderia ter atravessado chumbo depois da coisa quicar em sua testa e cair na grama, logo antes de girar aquela expressão mortífera na direção dele.

Jonathan conteve a risada com muito esforço.

— Estou entediado, doçura.

Ela estreitou os olhos bicolores com a mais pura incredulidade contorcendo seu lindo e irritado rosto. O tablet holográfico em seu colo e os esboços complicados sendo exibidos na tela tinham dito a ele que sua concentrada protegida provavelmente não queria ser incomodada, mas Jonathan tinha ignorado essa parte do contexto com bastante sucesso.

— E isso é problema de quem...?

Ele jogou outra uva, mas Evelina estava preparada daquela vez. Ela agarrou o tablet em suas mãos como escudo e rebateu o arremesso como uma profissional, fazendo o pequeno projétil arroxeado voar de volta no nariz de Jonathan com uma precisão aterradora.

Um sorriso vitorioso esticou os lábios dela, as íris reluzindo com o humor, e ele considerou o dia ganho apenas por aquela pequena interação.

Era a quinta vez que o Capitão conseguia atraí-la para fora de casa na semana. Vinha enchendo seu saco dizendo que ela precisava de sol, ar fresco, vitamina D e essas merdas, mesmo que os dias nem sempre fossem ensolarados no Potentado, mas a verdade era que Evelina estava preocupando-o para caralho nas últimas semanas.

Em torno de um mês antes, a garota gênio tinha se fechado de súbito numa casca e permanecido lá por dias. Ficando trancada no quarto o tempo todo, saindo de vez em nunca e, se por um milagre saísse, era com uma expressão dolorosamente vazia e rancorosa no rosto.

Começara no dia de uma batida violenta no Beco da Graxa, quando o Sistema emboscou alguns insurgentes num ataque surpresa e várias pessoas morreram no fogo cruzado. Ele não tinha certeza, mas a impressão era que Evelina talvez fosse amiga de alguns dos civis que não haviam sobrevivido ao conflito; ela conhecia aquelas bandas como ninguém, afinal. Era uma frequentadora assídua do Beco – ou pelo menos costumava ser, antes de Jonathan ser encarregado da sua custódia.

Aquela batida – massacre – a marcara de algum modo, e seu jeito de lidar com o luto fora se isolando.

Coisa que Jonathan tinha respeitado a princípio, é claro, mas depois... Ele não se conformara com a falta de vida no rosto dela. No modo como ela nem reagia mais às suas piadas, ou corava furiosa e adoravelmente diante dos seus flertes descarados, e se sentiu obrigado a intervir antes que a coisa piorasse de forma irrevogável.

No primeiro dia em que ele a abordou e convidou para assistir um filme, Evelina fechou a porta do quarto em sua cara sem remorso algum.

No segundo, ela o mandou fazer coisas bem criativas com sua sugestão de dar um mergulho em uma das piscinas da propriedade.

No terceiro, ele apenas roubou seu tablet e a esperou pacientemente nos jardins, até que Evelina aparecesse bufando e fumegando com cólera faiscando em seus olhos para buscar a coisa.

Bom. Raiva era melhor do que a total falta de emoção que Jonathan vinha presenciando nela.

Ele repetiu o processo com outros pertences dela nos próximos dias até a garota gênio ameaçar contar para o pai o que ele vinha fazendo, e a única coisa que Ronan Marchald fez diante disso foi incentivá-lo. Jonathan parecia ser o único que conseguia arrancar algum tipo de reação dela naqueles dias, e os pais estavam consternados com o estado da filha.

Então ele continuou.

Convidando-a para passeios de pod, lanches nos jardins, sessões de filme que ela quase sempre rejeitava, mas o fato de que estava tentando pareceu amolecer Evelina, fazê-la recuperar um pouco do temperamento forte característico.

Na última semana, ela estava consideravelmente melhor. Trocava mais do que dez palavras por dia com Jonathan e os pais, saía com mais frequência do quarto, continha o sorriso com menos esforço quando ele fazia alguma piada boba. Seu coração acelerava feito um motor velho e engasgado quando via o brilho habitual retornando aos olhos coloridos dela, e toda pequena interação leviana valia a pena.

Como a daquele dia.

— Belo contra-ataque — o Capitão limpou um pouco do sumo da uva que tinha espirrado no seu nariz com o dorso da mão, bem-humorado.

— Você mereceu — Evelina mostrou a língua.

— Por mais impressionante que tenha sido, ainda estou entediado.

Ela jogou os braços para cima, revirando os olhos ao deixar o tablet de lado.

— Por favor, me ilumine e diga o que é que eu tenho a ver com isso.

Ele se aprumou na cadeira acolchoada, a expressão se enchendo de uma empolgação travessa.

— Vamos fazer algo divertido.

— Temos conceitos de diversão muito diferentes — uma careta ligeiramente temerosa acompanhou a resposta de Evelina. — Da última vez que chequei, seu trabalho era me manter longe de más influências.

— Eu mantenho!

Era verdade. Fora o tempo em que ela ficava enfurnada no quarto, não havia um minuto no qual o Capitão a deixava sair desacompanhada ou desprotegida. Ele levava a segurança dela a sério, não só porque era seu trabalho, mas porque Evelina tinha passado a significar mais do que conseguia medir em palavras ao longo dos últimos dois meses. Aquela garota geniosa, brilhante e enlouquecedora havia se tornado uma amiga.

Mais que isso, ele às vezes ousava considerar.

— Não há como me manter longe de más influências se você for a má influência — Evelina rebateu.

Ou não.

Jonathan levou a mão ao peito, fingindo mágoa ao desviar o olhar para a mesa de comida com um empenho teatral.

— Ai.

Em sua defesa, o lanche estava mesmo bem chato. Eles já tinham comido e conversado um pouco sobre o almoço de caridade do dia anterior, ao qual o Ministro a obrigara a ir (por consequência, o obrigara a ir também). Depois da sobremesa, o Capitão tinha fechado os olhos e se recostado numa espreguiçadeira enquanto Evelina se encolhia num divã a poucos metros de distância e se concentrava em alguns projetos no tablet.

E a prova de que os esforços de Jonathan vinham dando resultado era o fato de que ela preferira ficar ali, na companhia dele, não voltar para o quarto.

— O que acha daquele mergulho?

Ela o encarou como se ele tivesse perdido alguns parafusos.

— Está nublado e fazendo 20° graus.

— As piscinas são aquecidas!

— Nem morta.

— Qual é, doçura — ele arqueou as sobrancelhas, petulante. — Está com medo de quê?

Evelina arqueou as sobrancelhas de volta com o desafio no semblante dele.

— Isso não vai funcionar comigo, Capitão de Araque.

Bom, isso era. Ela tinha razão, o nível de maturidade da garota gênio normalmente batia seu orgulho com folga.

— Então vamos aumentar essa aposta — Jonathan esfregou as mãos, animado. — Se você aceitar, eu paro de roubar suas coisas e de insistir nesse assunto. Não seria ótimo se eu não enchesse mais o seu saco para ir comigo à porra da piscina enorme que você tem em casa e não usa? Pense na doce paz e tranquilidade que traria ao seus dias.

Isso pareceu fazê-la hesitar por um instante, e ele marcou um X sobre o coração, como se juramentando a promessa a ela.

— Vamos, Evelina — ele quis falar sério, quando depois de longos segundos ela ainda parecia muito além de relutante. — Vou manter minhas mãos longe e você vai poder me secar seminu enquanto eu não estiver prestando atenção, prometo.

Ela revirou os olhos pela terceira vez em dois minutos, mas corou muito de leve.

— Está querendo amarelar porque não tem um biquíni?

— Eu tenho um biquíni — mordeu o lábio, a testa se franzindo de um jeito fofo. — Eu só não uso ele há... um tempinho.

Evelina queria dizer que a peça provavelmente estava pequena para ela.

Jonathan se controlou muito para não grunhir baixo, tentando bloquear a imagem da sua mente sem muito sucesso. A ansiedade começou a se acumular involuntariamente na base do seu âmago com uma queimação crescente e, não pela primeira vez, se lembrou de que a lista de motivos para não permitir que essas sensações ganhassem significado já era quilométrica.

Ele sabia que não podia cruzar a linha física com Evelina porque já tinha cruzado a emocional. Jonathan gostava muito dela para se permitir dormir com a garota, pois se conhecia o bastante para saber que acabaria se apegando – e, no fundo, não sabia se seria correspondido, o que não fazia exatamente maravilhas para o seu ego. Além disso, ele estava ali a serviço, e pior, não ficaria para sempre. Seu dever era para com a Nação-Mãe, e ele precisaria ir onde o Sistema ordenasse. Em algum ponto o supremo tribunal o designaria para outra missão e Evelina Marchald não se tornaria nada além de uma lembrança agridoce de um passado distante.

Mas, porque era um canalha e nunca tinha negado esse fato, perguntou como quem não quer nada:

— De que cor é?

Ela piscou para ele.

— Que diferença isso faz?

— Mulher, responder uma pergunta direta que seja por acaso vai arrancar um pedaço seu?

Evelina revirou os olhos.

Pela quarta vez.

— É branco.

Assentiu, reunindo o máximo de austeridade que conseguiu ao indagar:

— É meia taça? Fio dental? Ao menos tem bojo?

Uma almofada – antes repousando tranquilamente ao lado dela no divã – o atingiu na cabeça, e uma risada de deleite escapou do Capitão.

— Se já vai me ver com ele, por que está perguntando, babaca? — resmungou ela, as bochechas deliciosamente coradas.

Jonathan nem esperou que sua queridíssima protegida assimilasse a própria sentença.

— Então te encontro na piscina em dez minutos — ele se levantou com um salto, lançando uma piscadela marota a ela e escutando um gemido derrotado em resposta. — A maior delas! Ao sul daqui!

E não tinha trazido roupas de banho na mala, mas felizmente podia usar o nanossintetizador da família Marchald para fazer um calção decente – eles haviam lhe concedido acesso irrestrito ao aparelho. Só esperava que Evelina não decidisse o mesmo, porque que a Pátria o perdoasse, Jonathan já estava com expectativas altíssimas para vê-la no dito pequeno biquíni. Ela ficava gostosa com qualquer coisa, mas o último vestido branco no qual viu a garota gênio deixou sua boca seca e seu olhar vidrado por pelo menos algumas horas.

Menos de três minutos foram necessários para produzir a peça de roupa, e ele pediu algumas toalhas e protetor solar a Alfie, o androide doméstico, quando passou pelo robô no corredor abrigando os quartos dele e de Evelina. E, porque estava com medo dela amarelar, bateu à porta do quarto da sua enrolada protegida e gritou por entre o metal:

— Está vestida?

— Estou no banheiro! — ela respondeu, a voz não muito firme.

Jonathan entrou com desencargo de consciência, porque por mais canalha que fingisse ser, sua mãe lhe dera educação o bastante para saber discernir o momento de brincar com a libido de uma mulher e o momento de respeitá-la, obrigado.

Ele desviou habilmente das peças de maquinaria espalhadas pelo imenso quarto (era praticamente expert naquela merda àquele ponto) e se sentou na cama com um gesto displicente, quase esmagando o tablet de Evelina no processo.

— Saia aqui fora e me deixe ver! — ergueu a voz para que ela o escutasse por entre a porta fechada do banheiro.

— Não quero! — seu tom abafado soava além de mortificado.

O Capitão riu, pousando o aparelho na mesa de cabeceira dela antes que quebrasse a coisa sem querer.

— Quer que eu faça um maiô para você no nanossintetizador? — ofereceu, escondendo o toque ínfimo de desapontamento na voz.

Por mais que ele quisesse vê-la no biquíni, queria ainda mais que ela não amarelasse e apenas se divertisse com ele na piscina.

— Faria isso mesmo? — Evelina perguntou, esperançosa.

— É claro que faria, doçura. É só... — ele escutou a porta do banheiro se abrindo e começou a se virar, solícito, quando toda e qualquer resposta na ponta da sua língua se extinguiu por completo.

Se sua mente fosse uma interface de computador, estaria dando tela azul e berrando error 404.

Puta merda.

O biquíni nem era tão pequeno assim, mas a visão ainda era melhor do que qualquer coisa que ele tinha ousado imaginar. Ela estava com uma saia translúcida ao redor da cintura em vez de apenas com as duas faixas de tecido branco no corpo, mas a peça não fazia quase nada para esconder as coxas fartas e os quadris generosos.

Em breve, o calção de banho de Jonathan também não representaria obstáculo algum para esconder o desejo crescente deixando-o zonzo e duro em sua virilha.

— Achei que tínhamos combinado de secar o coleguinha apenas quando o outro não estivesse olhando — ela provocou, cruzando os braços, mas ainda parecendo mais desconcertada do que confiante.

A posição não colaborou muito com ele. O gesto fez os seios firmes se comprimirem no decote, e o seu olhar foi inevitavelmente atraído para a região.

Jonathan só percebeu que a própria voz estava rouca quando se ouviu dizer:

— Também combinei que manteria minhas mãos longe, mas sinceramente acho que vai ser muito mais difícil do que pensei.

O peito dela subiu e desceu num fôlego trêmulo, e o canto dos seus lábios se ergueu quando notou Evelina engolindo em seco, os lábios comprimidos. Ela tinha tirado a lente, provavelmente porque a água a danificaria, e era a primeira vez que ele via ambos os olhos dela no castanho quente original, tímidos e inquietos. Linda.

Mas também nervosa.

— Estou brincando, doçura — não estava, mas não queria deixá-la desconfortável, então apenas estendeu a mão na sua direção com o mais inofensivo dos movimentos. — Ainda quer aquele maiô?

Quando Evelina entrelaçou os dedos nos dele, no entanto, o Capitão jurou ter ouvido errado quando um sopro em forma de sussurro a deixou:

— É uma pena.

Parando com a cambalhota súbita em seu estômago, Jonathan sentiu o próprio fôlego rarear ao esquadrinhar o rosto dela e intimar, dolorosamente expectante:

— O que disse?

Ela piscou, baixando o rosto e balançando a cabeça.

— Nada.

A mão dele envolveu seu queixo com delicadeza, erguendo-o para que o encarasse, cheio de anseio cru e vulnerável.

— O que é uma pena, Evelina?

Um inspirar profundo, deliberado.

— Que esteja brincando — admitiu, baixinho. — Não queria que mantivesse suas mãos longe.

E Pátria o perdoasse, Jonathan estava beijando-a no instante seguinte.

Droga.

Bela merda de resolução de não cruzar nenhum limite físico, a sua.




Evelina se derreteu contra ele, suspirando de encontro à boca de Jonathan, as mãos se agarrando aos ombros firmes e lamentando o tecido cobrindo a pele quente. Gloriosa Nação-Mãe, ele era todo cheio de vincos e reentrâncias duras. O Capitão estava vestindo o calção de banho, mas também uma camisa, provavelmente porque não seria recomendável topar com o pai ou padrasto dela pela casa seminu, fossem eles para a piscina ou não.

E como também seria infinitamente menos recomendável que o pai ou padrasto dela ao menos passeassem pelo corredor naquele mesmo instante, ela afastou os lábios dos dele apenas pelo tempo necessário para erguer a voz para sua interface de comando:

— Trancar porta principal.

O comando foi obedecido com um deslize seguido por um clique suave do metal, e Jonathan deixou um gemido sôfrego escapar, segurando seus ombros antes que ela voltasse a beijá-lo.

— Evelina...

— Você... — subitamente se acovardou com a hesitação no semblante dele. Tinha feito algo errado? — Você não quer...

— Eu quero — ele imediatamente cortou, mas uma expressão quase que dolorida ainda contorcia seu rosto bonito. — Porra, quero mais do que tudo, acredite. Mas não devíamos.

Ela mordeu o lábio, franzindo a testa.

— Por que não?

Jonathan piscou para a indagação dela, confuso.

— Porque estou na sua casa em missão oficial? — começou, cético. — Porque você é a filha de um Ministro e eu sou só um militar sem muito bom senso? Porque eu deveria estar mantendo-a longe de problemas e em vez disso estou me tornando um problema?

Porque vou deixá-la e partir seu coração em pedaços assim que for convocado de volta ao regimento? Foi o que ele não disse, mas poderia muito bem ter dito.

Aquilo muito provavelmente não significava para ele o que estava significando para ela. Jonathan era um soldado e um mulherengo inveterado. Enquanto isso Evelina estava ali, se apegando à forma com a qual ele a fazia rir, à forma como suas íris azuis-oceano seguiam cada movimento seu quando estavam sozinhos, à forma como seu estômago se tornava um borboletário a cada vez que seu Capitão de Araque tocava sua mão ou sorria para ela.

Evelina estava se apaixonando, Jonathan estava apenas lembrando-a de que o que tinham ali não duraria.

E ela se importava muito com aquele pequeno fato, mas conseguiu fingir bem o suficiente que não o fazia.

Em todas aquelas semanas nas quais estava afundando no rancor e no vazio, seus dias e horas preenchidos por trabalho exaustivo para a Insurreição, Jonathan fora a única coisa lembrando-a de que ainda era humana e podia sentir coisas além da mais completa impotência. Ele de algum modo soubera que Evelina estava se afogando, se recusara a soltar sua mão, e com certeza não tinha ideia do quanto aquilo havia significado.

Ela era uma traidora da Nação, estava se dedicando incansavelmente à causa rebelde, e a única pessoa capaz de ajudá-la a sair daquele espiral de revolta e isolamento fora um soldado do Sistema. O mesmo que devia estar impedindo-a de fazer todas aquelas coisas.

O mesmo que a prenderia – ou pior – caso tivesse ciência disso.

— Podemos nos preocupar com tudo isso amanhã — enganchou os dedos na nuca dele, e a forma como a respiração de Jonathan vacilou, as pálpebras tremulando sobre as imensidões em cobalto daqueles olhos... A deixou um pouquinho mais arrogante do que o aconselhável.

Amanhã as inseguranças a dominariam novamente.

Naquele instante, contudo, a certeza que tinha no Capitão e apenas nele era a barreira mantendo seus temores longe. Ela aproveitaria enquanto pudesse.

Então a boca de Jonathan estava sobre a de Evelina outra vez, se movendo com fome enquanto as mãos escorregavam pelas suas costas até puxarem-na pela cintura e colarem a frente dos corpos de ambos, gemidos em uníssono ecoando pelo quarto com a sensação abrasadora do contato.

Cada centímetro da sua pele se arrepiou contra a dele, as partes que o biquíni não cobria oferecendo mais do que território o suficiente para ser tocado e apertado. Todo mísero centímetro a mais que descobria parecia ser o suficiente para fazê-la entrar em combustão.

Sua língua pediu passagem por entre os lábios de Jonathan, fazendo as mãos calejadas comprimirem sua cintura com uma urgência palpável, uma necessidade febril. Ele enfiou os dedos nos seus cabelos, curvando-a para aprofundar o beijo e puxando de leve para ajustá-la no ângulo que preferia, e Evelina o sentiu endurecendo contra sua barriga numa velocidade considerável.

Ela não podia julgá-lo em nada. A parte de baixo do seu biquíni em breve estaria arruinada, porque cada beijo e toque equivaliam a labaredas inclementes descendo pelo seu baixo ventre e se acumulando entre suas pernas, testando sua sanidade e destruindo seu autocontrole.

Não havia nada que quisesse mais do que queimar.

Os beijos de Jonathan desceram, contornando seu maxilar e deslizando pelo seu pescoço, chupando a curva do seu ombro e mordiscando de leve até que Evelina estivesse se contorcendo nos braços dele. Uma coxa musculosa se enfiou entre suas pernas, e a pressão contra a parte que mais precisava de atenção no seu corpo a fez arquejar baixinho, os quadris se movendo de forma involuntária.

Ela levou as mãos às próprias costas, desatando os nós do biquíni e terminando de arrancá-lo pelo pescoço em nanossegundos.

— Porra, Evelina — xingou ele, os olhos num tom de azul tão escuro que a deixaram sem ar fazendo seus mamilos se enrijecerem pela forma com a qual ele devorava da visão dela nua da cintura para cima.

Descendo como se aceitando o convite, Jonathan tomou um seio na boca antes mesmo que ela conseguisse pensar no que fizera. Evelina tombou a cabeça para trás, se arqueando a cada lambida vagarosa e puxar de dentes suave que o Capitão fornecia ao bico sensível e inchado, ofegando e se pressionando contra a coxa dele com uma avidez frenética.

Puxando aquela droga de camisa para cima com gestos afoitos, ela mal conseguiu sentir falta dos lábios de Jonathan antes deles voltarem a pressionar os seus depois da peça de roupa ser atirada do outro lado do quarto, os braços a erguendo e girando no ar até que Evelina estivesse estirada na cama e ele estivesse se assomando sobre ela.

Sua mira afogueada trilhou o caminho desde o abdômen trincado até o peitoral bem definido, cobertos por uma camada fina de pelos castanhos, passando pelos ombros fortes e o rosto que poderia estar esculpido numa das estátuas antigas dos livros censurados de história.

Tão bonito que chegava a lhe dar nos nervos.

Se sentindo ousada, Evelina escorregou a mão da nuca pelo pescoço de Jonathan, os dedos descendo a carícia pelo peito, desviando para as costas, delicadamente pontilhando a lombar e os músculos vigorosos ali.

As pálpebras do seu Capitão tremulavam com cada milímetro que seu toque desbravava, a respiração entrecortada, quase como se não acreditasse que aquilo estava mesmo acontecendo.

Ela não se sentia muito diferente.

— Se ao menos soubesse quantas vezes eu fantasiei com isso — a confissão, tão baixa que Evelina não teria escutado se não estivesse observando o rosto e lábios dele, fez algo em seu estômago saltar e formigar com a euforia.

Ela não queria criar expectativa nenhuma, mas era impossível. Ele tornava impossível. Apenas a forma como as íris passeavam pelo seu corpo como se fosse algo a ser reverenciado...

Sua voz respondeu no mesmo tom, quase num sussurro:

— É mútuo.

Os olhos como o oceano norcentrista reluziram, as feições intensas com algum sentimento que ela não conseguia exatamente nomear ou medir.

As mãos de Jonathan subiram devagar pelas suas coxas e se engancharam na bainha da saída de praia transparente, puxando para baixo com um movimento lento, devoto. Seus batimentos rugiam tão alto e tão rápido em seus ouvidos que taquicardia não parecia uma alternativa tão distante da realidade assim, suas entranhas se revirando em antecipação.

Ele cobriu seu corpo com beijos deliberados e intensos, substituindo o desespero exaltado de antes por algo exploratório e íntimo, e Evelina se derreteu embaixo do Capitão, dos dedos calejados acariciando seus seios, trilhando a pele da sua barriga, erguendo sua cintura para que o meio das pernas de ambos se encontrassem num ponto de contato enlouquecedor.

Antes que ele pudesse tomar a iniciativa, no entanto, ela o empurrou de costas na cama e assumiu a dianteira.

Se ao menos ele soubesse quantas vezes eu fantasiei com isso.

Seu toque suave o envolveu por cima do calção de banho, o volume rijo pulsando sob a palma dela quando Jonathan fechou os olhos e expirou um som grave que a fez sorrir, excitada.

Havia feito aquilo poucas vezes antes, mas tinha amado a sensação de poder que lhe dava desde a primeira vez que tentara. O modo como sua boca era capaz de fazer um homem rugir e se contorcer a deixava escorrendo, pronta e sensível ao extremo.

Evelina se debruçou sobre as coxas de Jonathan, puxou a ereção para fora da bainha e lambeu devagar, da base à ponta.

Ele gemeu alto, a mão se enfiando no cabelo dela de imediato quando sua boca sugou a cabeça úmida com um prazer deliciado.

Caralho — arfou, os olhos saturados de luxúria ao observá-la engolindo a extensão dura. — Porra, tão gostosa.

Chupando deliberadamente, a mão acompanhando seus lábios de modo lento apenas para vê-lo se retorcendo, os quadris arqueando e o abdômen se tensionando a cada movimento atrevido da sua língua. Evelina se regozijou com sons satisfeitos enquanto seu Capitão grunhia e cerrava o punho em seus cabelos.

Porque ele era seu para controlar naquele instante, e a constatação a deixava se sentindo a dona do mundo.

Aquele mesmo punho em seus cabelos a afastou dele então, um rosnado rouco fazendo sua pele se eriçar quando Jonathan a puxou para si e murmurou contra seus lábios:

— Chega de brincar, doçura.

A expectativa tinha se condensado num peso alarmante em seu baixo-ventre, e ela não podia concordar mais com a pressa dele.

— Você toma o...

— Tomo — ele respondeu de pronto, tirando o calção de banho e o jogando de lado. A ereção ainda úmida da brincadeira dela fez suas paredes internas se comprimirem, atraindo seus olhos de um jeito involuntário. — É obrigatório para o exército.

O coquetel anual anti-IST que o Sistema oferecia – ela sentiu o ar deixar seus pulmões em uma lufada aliviada. Foi a vez de Jonathan perguntar, então:

— Você toma algum...

— Dispositivo Intrauterino — Evelina confirmou, ávida. — Também tomo injeções mensais.

— Graças a tudo que é bom e honrado na Pátria — gemeu ele, esmagando sua boca com outro beijo voraz, as mãos cobrindo-a por todos os lugares de todos os jeitos enquanto subia sobre ela novamente e aquela ereção rígida se encaixava contra sua umidade.

Evelina arquejou, as pernas envolvendo-o como incentivo.

Mas Jonathan apenas mordeu o lóbulo da sua orelha, empurrando sua calcinha de lado e deslizando um dedo para dentro dela de modo tão súbito que tudo que conseguiu fazer foi soltar um ruído agudo e se contrair inteira.

— Puta merda, isso... — ele mordeu seu ombro, o semblante torturado à medida que os quadris de Evelina dançavam contra suas investidas. — Isso mesmo, amor.

Ela o agarrou pela nuca, os lábios se chocando numa voracidade quase animalesca, beijos selvagens se tornando gemidos e arquejos à medida que ele a penetrava com mais força.

Inserindo um segundo dedo, Jonathan retribuiu cada provocação maliciosa dela de minutos antes num vai e vem que fez espasmos estremecerem seu corpo, o polegar dele esfregando o ponto alto entre suas coxas e arrancando choramingos dos seus lábios entreabertos.

Quando a tensão ficou insuportável, foi a vez dela de agarrar o pulso dele e quase implorar:

— Chega de brincar.

O Capitão sorriu, levando os dedos que antes estavam no centro dela à boca.

— Justo.

Se ajoelhando no colchão e puxando-a pela cintura até Evelina estar próxima o bastante para sentir a ponta dele se insinuando contra seu cerne, Jonathan arqueou seus quadris com uma das mãos e se inseriu devagar — tão excruciantemente devagar — com a outra.

Os dois gemeram juntos, e ela fechou os olhos num grito mudo ao senti-lo preenchê-la até o fim, o ângulo permitindo que cada centímetro dele disparasse agulhadas de êxtase por todos os seus tendões e músculos.

— Porra — ele jogou a cabeça para trás, as mãos se tensionando contra a sua pele, a carne pulsando dentro dela. — Porra.

Evelina rebolou contra a pressão deliciosa em seu ventre, sentindo Jonathan estabelecer um ritmo agora que ela já tinha se acostumado à extensão dele, e as sensações eram tantas de todos os lados e de todas as intensidades que precisou se agarrar aos lençóis com força.

Era divino e era aterrador e ela queria que ele nunca saísse de dentro dela.

Queria que aquele toque nunca a abandonasse ou se afastasse, que ele nunca parasse de olhá-la como se ela fosse o centro do seu universo.

Então se perdeu naquelas íris por longos instantes, anuviada com as sensações até Jonathan baixar os olhos para o ponto onde os corpos deles se uniam, cada investida poderosa enviando formigamentos de lascívia a cada célula do seu corpo, e o foco de Evelina seguiu o dele. Observando cada movimento lânguido enquanto ele entrava e se retirava, a rigidez molhada com a umidade cada vez mais abundante dela, a peça de baixo do biquíni ainda enrolada contra a parte interna da sua coxa. O ar não estava chegando direito aos seus pulmões.

Nunca tinha visto nada tão excitante na droga da sua vida.

— Não para — ela arquejou ao abrir mais as pernas e extinguir quase todo o espaço entre eles, as pálpebras pesadas. — Não para.

Acelerando as estocadas, o Capitão se inclinou ao apoiar uma das mãos ao lado da sua cabeça, a outra apertando a parte traseira da sua coxa com força, e o som dos corpos deles se chocando preencheu o cômodo numa sinfonia erótica e cadenciada. Ele agora estava roçando no seu ponto mais inchado e necessitado, e Evelina mordeu o lábio para não gemer alto. O suor em sua pele e o vibrar em seus ossos era tudo que ela conseguia discernir além dele, além da extensão dura arremetendo contra ela, além da mais absoluta certeza.

Aquilo era o que era, e era certo. Cada minuto e segundo daquilo.

— Jonathan — Evelina chamou, sem fôlego, e ele pareceu entender a necessidade na voz dela apenas porque se equiparava à sua.

A frente dos troncos deles se uniram e seus dedos se entrelaçaram, bocas duelando num embate no qual não haveria vencedor. Era íntimo e doce e inesperado, como se ambos houvessem se fundido em um, cada vez mais rápido, cada vez mais alto, cada vez mais.

Suas unhas se cravaram nas costas dele quando a pressão em seu baixo-ventre se tornou demais para suportar, e Jonathan incrementou a velocidade, o rosto enterrado na curva do seu ombro à medida que suas paredes internas se contraíam e tudo explodia em prazer incandescente, vivo, deliciosamente longo e intenso. Ela engoliu um grito abafado.

Evelina se agarrou a ele com tudo que tinha, as costas arqueadas e as coxas tensas ao redor do abdômen firme, e a sensação se espalhou por todo o seu corpo, deixando-a fraca e mole no colchão no fim.

Jonathan se enterrou uma última vez em sua carne e estremeceu junto dela com um gemido do qual Evelina bebeu da fonte, um beijo afoito abafando os sons de ambos ao alcançarem e caírem daquele pico do clímax, as respirações vacilantes e os músculos praticamente atrofiados.

Minha nossa.

Pelo que pareceram longos minutos, os dois apenas ficaram ali, recuperando o fôlego e recobrando a lucidez.

Isso aconteceu mesmo?

Então, saindo de dentro dela com um gesto cuidadoso, seu Capitão apenas se deitou do seu lado e a apertou contra si, pernas entrelaçadas e costas pressionadas contra o tronco dele, plantando um beijo longo e carinhoso na curva do seu pescoço. Aquilo devia ser tão genérico para ele e ainda assim era tão único para ela.

Evelina se sentiu extasiada. Porque nunca tinha experienciado nada igual.

Se sentiu temerosa. Porque o que quer que fosse, aquilo tinha data de validade.

Se sentiu exausta. Porque não tinha forças para destrinchar o que essas constatações faziam com seu coração.

Ela fechou os olhos, suspirando, e não notou a própria consciência sonolenta flutuando para longe.


Jonathan ainda não estava convencido de que não tinha sonhado tudo aquilo.

Evelina admitindo que não queria as mãos dele longe.

Evelina o beijando com força e arrancando o sutiã do biquíni antes de arrancar sua camisa.

Evelina lambendo seu cacete e gemendo como se fosse seu doce favorito.

Evelina se contraindo ao redor dele enquanto Jonathan estocava sem pausa dentro dela.

Evelina pedindo por mais, chamando seu nome e arqueando as costas ao gozar.

Ele tinha que estar sonhando.

Toda Poderosa Nação-Mãe, Jonathan nunca imaginara... Nem ao menos ousara...

Seus neurônios ainda estavam chiando e soltando faíscas. Sexo com Evelina tinha explodido todas as suas sinapses coerentes. A prova disso era o fato de que agora Jonathan só conseguia pensar nisso. Em como os seios dela se encaixavam perfeitamente na sua boca. Em como os sons que ela emitia quando seus dedos estavam esfregando o ápice das suas coxas eram a coisa mais deliciosa que ele já tinha ouvido.

Em como ele só queria escorregar os dedos de volta até aquele lugar, acordá-la com um orgasmo digno de nota, então se enfiar até o talo no seu centro quente e molhado naquela mesma posição, a bunda empinada contra sua virilha à medida que arremetia dentro dela até explodir.

Pátria misericordiosa, Jonathan estava vergonhosamente duro só de cogitar.

Mas é claro que não podia fazer isso. Evelina tinha adormecido em seus braços, e o Capitão não sabia se ela se sentiria desconfortável ou não com a atitude. Era bom, porque isso lhe dava tempo para recuperar o próprio raciocínio. Assimilar a última hora com calma.

Ele tinha transado com a garota que estava encarregado de proteger e vigiar.

E ele gostava um pouco demais além do recomendável dessa garota.

Era até difícil controlar a cara de maníaco ao observá-la ressonando suavemente contra ele, o colo e os lábios ainda avermelhados, a face relaxada. Ela era linda. E divertida, e inteligente, e única.

E chupava como a porra de uma profissional.

Jonathan quase afundou o rosto com um gemido sôfrego nas omoplatas dela, mas se controlou no último segundo ao se lembrar de que isso a acordaria. Se recomponha, imbecil.

Ele não tinha a mínima ideia do que faria dali pra frente, e isso o deixava meio descompensado da cabeça. Estava se apaixonando por Evelina de modo preocupante e desesperador, porque ela estava muito acima do seu nível e com certeza seria muito mais pragmática em relação ao que tinham. Jonathan havia listado motivos anteriormente para “não deverem” ter feito aquilo porque sabia que não teria volta para o seu coração idiota depois que se deitasse com ela.

Agora além de alucinado com o sorriso espertinho e o coração doce de Evelina, ele também estava alucinado com seu gosto, cheiro e toque.

Idiota.

Era apenas um grande e iludido idiota.

Ele suspirou baixinho, sentindo o peito ficar pequeno, e se desvencilhou com toda a cautela da sua garota gênio, para não a despertar. Se limpou no banheiro, vestiu o calção e se chamou de alguns nomes feios ao passar a mão pelo cabelo no espelho. As mechas estavam mais longas do que o habitual graças ao tempo na casa Marchald, mas ainda assim estavam curtas – e ainda assim sua selvagem protegida tinha conseguido bagunçar os fios em todas as direções. Ele fechou os olhos por um instante, estremecendo com a lembrança de como o toque dela se enroscara no seu cabelo e o puxara contra sua boca enquanto os dedos de Jonathan entravam e saíam dela.

Ele estava bem ciente de que aquilo provavelmente era masoquismo.

Bom. Pelo menos tinha material de qualidade espetacular para punheta para toda uma vida, agora.

Balançando a cabeça – era um grande e iludido idiota canalha –, ele voltou para o quarto e encontrou Evelina ainda apagada; agora agarrada a dois travesseiros, as pernas deliciosas circundando a superfície macia e lhe dando uma visão fantástica da sua bunda.

Dessa vez, Jonathan não conseguiu evitar o gemido sôfrego que deixou seus lábios.

Foi quando o tablet de Evelina apitou sobre a mesa de cabeceira, uma notificação de mensagem surgindo na holografia azul-turquesa. Jonathan nem ao menos tocou no negócio, mas seus olhos leram as palavras sem querer.

E ele sentiu seu rosto ser drenado de toda a cor.

Testes de segurança finalizados - UNIDADE DE ASSALTO ‘ 02S07T20O22 estável para futuras avaliações técnicas.

Seu fôlego estava suspenso, a cabeça a mil, o coração disparado.

Um código de identificação insurgente.

Que podia ter passado despercebido por qualquer um, mas não por ele. O Capitão os reconhecia porque já tinha auxiliado vários veículos com aquele exato modelo alfanumérico com informações inofensivas, porém extremamente úteis à causa. Sabia que era o que permitia que os insurgentes disfarçassem suas naves em meio a outras comuns e ainda reconhecessem uma integrante de frota aliada.

A chave estava sempre nas letras – S. T. O.

Somos todos órfãos.

O lema dos rebeldes.

O que Evelina estava fazendo executando testes de segurança em unidades de assalto da Insurreição?

O medo fez o estômago dele dar cambalhotas.

Não. Não podia ser, podia? Todas aquelas escapadas e leilões clandestinos, o motivo pelo qual o supremo tribunal o colocara em custódia dela... Suspeitavam de que ela era uma insurgente?

Iriam matá-la.

Seu coração parecia estar sendo comprimido por um punho gélido e impiedoso.

— Jonathan.

O Capitão pulou de susto, os olhos se esbugalhando ao girar de imediato e encontrar Evelina acordada e sentada na cama, o lençol amontoado na frente do corpo para cobrir a pele que ele mesmo cobrira de lambidas e carícias minutos antes. Porra, nem a escutara se mexendo. Ela estava tentando disfarçar, mas seus ombros e mandíbula estavam tensos, os olhos continuamente se movendo do tablet para o rosto dele. Se perguntando do que é que ele tinha suspeitado.

Era praticamente uma admissão de culpa.

Os ombros dele tombaram.

Como ele conseguiria protegê-la de si mesma, agora?

— Evelina...

— Colbie — mal respirou — Protocolo 8230.

Algo o atingiu nas costas com uma alfinetada dolorida antes mesmo que Jonathan conseguisse franzir a sobrancelha em confusão.

Ele arquejou ao sentir uma dormência desesperadora se espalhar pelos seus membros quase que imediatamente. Se alastrou pela sua corrente sanguínea como um raio, pânico rugindo pelas suas veias junto com a substância à medida que seus músculos e tendões perdiam as forças.

Jonathan caiu de joelhos, um grunhido abafado deixando seus lábios quando tombou de lado contra a cama e tentou se segurar nas colchas. Inútil. Nada no seu corpo respondia.

Ele desabou no chão frio estatelado de lado, seu ombro esquerdo latejando um pouco com a pancada.

Evelina tinha feito aquilo.

Ela tinha acionado algum tipo de mecanismo de defesa do cômodo e atirado algum tipo de dardo imobilizador. Ele teria ficado impressionado com a engenhosidade se não tivesse sido o alvo da merda da coisa. Uma aflição pesada começou a se acumular no seu âmago, revirando suas entranhas.

Apenas seus olhos e ouvidos estavam funcionando, pelo que conseguia discernir dos ruídos próximos de tecido farfalhando de forma enérgica e passos oscilantes no piso.

Então Evelina entrou no seu campo de visão, parando logo à frente da sua figura inerte.

Ela tinha vestido camisa dele, e de algum modo isso tornava tudo pior.

— E-eu sinto muito — a voz dela falhou, e o Capitão conseguiu perceber que os olhos dela estavam marejados. — Jonathan, eu...

Era doloroso de assistir. Ela não parecia simplesmente triste, parecia arrasada.

Consigo mesma.

A respiração dele se acelerou junto dos seus batimentos cardíacos. De repente, sentiu vontade de gritar.

— Você nunca devia ter visto aquilo — uma lágrima desceu pela bochecha de Evelina enquanto ela avançava até a mesa de cabeceira ao lado da sua cama e pressionava um compartimento escondido na lateral. — Por que foi ver aquilo?

Como uma gaveta secreta, a área se abriu e Evelina pegou algo lá dentro.

Uma arma.

Era minúscula. Quase parecia um brinquedo, mas Jonathan não tinha dúvida nenhuma de que era bastante real.

A vontade de gritar ficou insuportável. Se mexer, tentar acalmá-la, dizer que nunca faria nada contra ela, dizer que era malditamente apaixonado pela porcaria da garota e ainda assim não era capaz de nenhuma dessas coisas. A impotência era esmagadora, aterrorizante, chegava a sufocar.

Não conseguia impedi-la.

Não conseguia fazer porra nenhuma.

E ela ia matá-lo.

Porque pensava que ele era apenas um soldado cego ao seu dever, leal ao Sistema, que a delataria sem pensar duas vezes, e achava estar protegendo a própria vida. Como podia imaginar isso dele? Será que ela não o conhecia em nada mesmo depois de dois meses?

Com os dedos tremendo tanto que ele pensou que ela dispararia sem querer, Evelina ergueu a arma. A mira travada em seu peito.

Eles estavam enroscados um no outro na cama há meros minutos.

Como tinham chegado ali daquela forma?

Por que ela não lhe dava uma chance de se defender, de viver?

— Tem m-muita gente envolvida — soluçou, como se tentando se justificar. — Vão me torturar por informações sobre elas e eu sei de coisas demais, Jonathan — as lágrimas caíam sem parar agora, os olhos avermelhados e devastados fazendo a alma dele se contorcer. — Eu sinto muito, sinto t-tanto.

Ele queria berrar.

Por favor, seus olhos imploravam, ardendo com o terror e a frustração.

Ele não queria morrer.

Ela destravou a arma.

Os dedos se ajustaram no gatilho.

Jonathan fechou os olhos, soltando um longo último suspiro.

Esse é um jeito terrivelmente patético e dramático de ir.

Seus ouvidos esperaram pelo tiro.

Segundos dolorosamente extensos se passaram.

Nada.

Então...

Tump.

Ele abriu as pálpebras de forma hesitante com o som oco repentino, apenas para encontrar a arma deixada de lado no chão e Evelina caída de joelhos, cabisbaixa, as mãos mal conseguindo sustentá-la com o tanto que tremia. Os olhos deles se encontraram e ela chorou mais alto, pronunciando duas palavras que quase desfizeram o corpo de Jonathan em átomos de puro e incandescente alívio.

— Não c-consigo.

Puta merda.

Puta merda.

Ela engatinhou até ele, as lágrimas pingando pelos azulejos do quarto e por sua bochecha quando Evelina se assomou sobre seu corpo inerte e moveu seu tronco com um grunhido sem fôlego, pousando sua cabeça sobre o colo.

Dedos sem firmeza alguma acariciaram sua testa, seus fios de cabelo suados, e Jonathan teria chorado se seus dutos lacrimais ainda não estivessem sob efeito daquela merda paralisante. Ele se odiou por encontrar consolo no toque dela, por estar feliz porque ainda estava vivo e conseguia sentir algo.

Puta.

Merda.

— Me perdoa — chorou ela, baixinho, a agonia em sua voz fazendo uma parte dele querer consolá-la mesmo irrevogavelmente puto e abalado como estava. — Me p-perdoa, Jonathan.

Não, ele queria gritar, raiva e angústia estarrecedora se acumulando em seu peito.

Você ia me matar a troco de nada.

— Poupe meus pais, por favor — pediu, o tom se quebrando, e ele se obrigou a fechar o coração para qualquer tipo de solidariedade. Mesmo que a dor dela parecesse doer nele. — Eu juro que eles não têm nada a ver com isso, nem sabem de nada. A culpa é toda minha.

Ela ainda acreditava que ele ia delatá-la.

Se conseguisse se mexer, teria bufado com tanta força que a faria tropeçar para trás.

— O efeito do dardo vai passar em alguns minutos — prometeu, e uma parte dele se sentiu grato por aquela merda acabar logo.

Para uma pessoa como ele, hiperativa, ansiosa e constantemente refém dos próprios hormônios e impulsos, aquela era a pior das torturas.

Ela o abraçou, o cabelo roçando contra sua bochecha e torso, a pele quente e úmida das suas bochechas repousando em sua testa, soluçando baixinho contra ele. Jonathan queria sentir repulsa. Asco. Qualquer porra que fosse. Evelina teria tirado sua vida sem lhe dar uma chance de se explicar, o teria matado por algo que ele nem nunca teria feito.

Mas tudo que conseguia sentir era compaixão.

Porque não passava de um grandessíssimo e iludido idiota, sem dúvida alguma.

Ele era um simpatizante insurgente mesmo sendo militar do Sistema, e esse era seu maior segredo.

Se fosse o contrário, contudo, ele também teria morrido de medo de Evelina descobrir a respeito; ela era filha de um Ministro, afinal. Ele nunca teria tentado matá-la, é óbvio, caralho, mas ainda assim. Ela não fora capaz de tirar sua vida e achava estar sacrificando a de várias outras pessoas junto. Se Jonathan fosse mesmo entregá-la, toda a sua família seria levada e interrogada. Evelina quebraria sob os métodos de tortura do Sistema e revelaria informações importantes, talvez vitais aos insurgentes, apenas para escapar da dor. Poderia estar condenando dezenas de pessoas junto de si mesma.

E, olhando por esse lado, ela ainda o escolhera.

Ainda preferira se sacrificar e possivelmente arruinar a Insurreição para poupar sua vida.

A cabeça dele afundou em possibilidades e reflexões a contragosto. Depois do que pareceu uma eternidade, o Capitão começou a retomar a sensibilidade nas extremidades, e já era capaz de mexer a língua e parte da articulação do pé.

Quando Evelina viu seus dedos tendo espasmos de encontro ao piso, ergueu a cabeça e fungou:

— Se mexa o máximo que puder. Vai ajudar o sangue a voltar a circular normalmente.

Ele obedeceu, ávido.

E, quando sentiu o maxilar autônomo o suficiente para se mover, a primeira coisa que deixou seus lábios não foi um xingamento ou acusação raivosa, para a surpresa dele e de Evelina. Ainda grogue e fraca na sua voz rouca, a sentença que ecoou no quarto silencioso foi:

— Já ouviu falar de Ardósia-Ciano?




Evelina não conseguia pensar.

Não conseguia falar ou reagir, presa no próprio horror e enclausurada na própria mortificação.

Jonathan era um insurgente.

Bom, um simpatizante, na verdade, como ela ainda era um mês atrás, mas ainda assim.

Ela quase o matara.

Que ele não a tivesse esbofeteado ainda era um pouco inacreditável. Se fosse Evelina no lugar dele, ela não sabia se teria se contido. Tinha a impressão de que nunca teria conseguido disparar aquele tiro, mas ainda assim, o pânico nos olhos dele quando ergueu a arma havia sido mais do que real. Ela tinha sido inconsequente e frígida, e nunca se perdoaria por isso.

Nem Jonathan, se ele fosse sensato.

Pátria toda poderosa, ele tinha salvado vidas em Ardósia-Ciano – o massacre pelo qual ela vinha condenando-o internamente. Uma parte sua sempre se sentira culpada por ter começado a gostar dele porque o sujeito provavelmente era um assassino, mas agora tinha descoberto que era exatamente o contrário. O Capitão havia tentado avisar os rebeldes sobre a batida e ainda escondeu seus rastros quando fugiram.

Ele era um herói.

E Evelina era um monstro.

Jonathan recuperou o restante dos movimentos em um ponto do relato e se sentou enquanto contava. Ela se arrependia tanto de ter usado o dardo paralisante, mas foi a única coisa na qual sua cabeça em pânico conseguiu pensar na hora. Se ao menos tivesse deixado Jonathan falar, tudo teria sido diferente.

Ela não teria estragado tudo.

Ela não o teria perdido.

E, ao fim da confissão, tudo que Evelina conseguiu fazer foi enterrar o rosto nos joelhos e chorar mais.

Como fora estúpida.

Ignorante e inacreditavelmente estúpida.

Ela só sentira tanto medo. Vinha atuando mais diretamente na Insurreição só há um mês, e estava com os nervos tão à flor da pele do Sistema descobri-la, torturá-la, matá-la junto de todos que amava... Evelina só estava tão cansada. Ela tinha pensado que realmente se dignaria a fazer a diferença após o Banho de Sangue do Beco, usaria seus recursos com quem os merecia.

E ali estava ela, desmantelada e aos prantos depois de quase ter matado um homem inocente.

Um homem que ela tinha quase certeza que amava.

Estúpida, estúpida, estúpida.

Um expirar deliberado interrompeu seus soluços de súbito então, braços fortes a envolvendo e a puxando-a contra um peitoral quente e sólido. Evelina arregalou os olhos, congelando como se ela fosse aquela atingida por um dardo paralisante dessa vez, mal ousando respirar.

Jonathan suspirou novamente, as mãos acariciando suas costas de forma cadenciada, tranquilizante.

— Descobri que não suporto te ver chorar, doçura — ele murmurou contra o seu cabelo, sem raiva ou rancor no tom suave. — Não chora, por tudo que é bom e honrado nessa merda de Pátria.

Ela soltou uma risada engasgada com um soluço, se encolhendo de encontro a ele e tentando não se desmontar de vergonha e descrença. Ele a estava consolando. Estava abraçando e acalmando.

Toda Poderosa Nação-Mãe, como ela fora capaz de encontrar aquele homem e ainda quase matá-lo?

Se ele por uma ínfima possibilidade não corresse dali e roubasse uma nave para fugir aos berros do Potentado no instante em que ela parasse de chorar, Evelina jurou a si mesma que se casaria com Jonathan Arantes um dia.

Ninguém mais serviria.

Por puro desespero, se forçou a chorar mais alguns minutos extras enquanto pensava numa forma desesperada de amolecê-lo para que ficasse:

— Quer ver Batman: Cavaleiro das Trevas? — fungou ao erguer a cabeça na direção dele, certa de que seu nariz estava escorrendo, sua cara estava inchada e seus olhos estavam vermelhos.

Ainda assim o canto dos lábios dele se ergueu, as íris reluzindo com um humor desconfiado.

— Na sua batcaverna?

Ela engoliu em seco.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Tudo bem — cedeu, sabendo que não era nada menos do que ele merecia, naquele ponto da coisa. — Na minha batcaverna.

Gloriosa Nação-Mãe, não permita que tudo isso seja um teatro em forma de emboscada para me fazer revelar o laboratório e me condenar com provas indefensáveis.

Mas Evelina confiou em Jonathan, porque não cometeria o mesmo erro duas vezes, e abriu a passagem para o seu andar privativo na parede do quarto depois de terem se limpado, trocado e colocado roupas minimamente respeitáveis.

O queixo do Capitão foi parar nos azulejos quando o concreto sólido deslizou para o lado e revelou um corredor e elevador inteiros.

— Desde quando isso está aqui?! — guinchou, incrédulo. — A entrada era no seu quarto esse tempo todo?!

Ela fez uma careta sem graça, dando de ombros muito discretamente. Jonathan bufou.

— É claro que era. Nação-Mãe, como me sinto idiota.

— Desculpe — ela mordeu o lábio, temerosa de que a qualquer momento ele explodisse e jogasse o fato de que tinha apontado uma arma para ele em sua cara.

Porém, rindo de leve, seu Capitão de Araque apenas suspirou ao acenar com a mão em descaso e segui-la corredor adentro.

— Está desculpada, mas não pense que também não está me devendo uma. Ou três.

Um peso deixou o peito de Evelina com o tom travesso da voz dele.

Ele não existe. Não pode existir.

Jonathan lhe lançou um olhar de soslaio, tentando permanecer sério sem muito sucesso enquanto visivelmente continha a própria animação.

— Você sabe qual das edições de revistinha equivale a esse filme em específico? — indagou, curioso. — Não sei se vou reconhecer o roteiro.

Ela abriu um sorriso enorme, sem conseguir conter a risada genuína borbulhando nos seus lábios.

Sim.

Ela definitivamente se casaria com aquele homem.






Se você chegou até aqui, espero que tenha matado um pouco da saudade do Jonathan e da Evelina e que tenha gostado <3


Ah! E se você é do Rio de Janeiro (capital), não esquece que hoje, 23/09/2022, nós temos um encontrinho incrível no SNEL às 14h comigo, a Bianca Jung, a Arquelana e a Cora Menestrelli pra falar sobre nossos livros da Qualis, incluindo Paradoxem! Vai ser um prazer te encontrar lá se puder ir. É gratuito :)



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